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Xenofonte - Lições de Economia com Sócrates – Parte I

 por Luciene Felix

 “É o olho do dono (que produz o que é belo e bom)”

Frase atribuída a um bárbaro quando Artaxerxes – o Grande Rei – indagou o que faria um cavalo engordar rapidamente.

 

Assim como a Sabedoria e a Beleza, a Riqueza é um bem muito desejável. E, tanto, que dentre nossas preocupações constantes está a de saber como realizar um trabalho que traga prazer, do qual tiremos proveito, de como amealhar e administrar nossos bens, enfim, como agir com discernimento com nossas finanças, propiciando-nos conforto, segurança e bem estar, beneficiando o Lar.

 

Enquanto a pólis refere-se ao público e diz respeito à vida do cidadão político, seja participando do governo ou submetendo-se às decisões de seus representantes, oîkos refere-se ao âmbito privado e diz respeito à vida do indivíduo enquanto membro de um grupo familiar, sua casa, seus bens, seus valores e tradições.

 

Do vasto legado do Sábio grego Xenofonte (430/425 a.C. – 359 ou 355 a.C.), a Obra “Econômico”, que traz Sócrates como protagonista é: “(...) um tratado eminentemente prático sobre a economia, a arte de bem administrar o oîkos (...)”, diz a tradutora Anna Lia Amaral de Almeida Prado.

 

Nesse tratado de Economia, das “normas do Lar” (oîkos + nomós = leis da casa), o casal tem funções específicas nas obrigações para com a família, cabendo ao ‘chefe’ da família se ocupar da propriedade, construindo o patrimônio e, à esposa, o governo do Lar: “Os bens entram na casa através dos atos do marido, mas são gastos, em sua maioria, através das despesas feitas pela mulher.”.

 

O papel da mulher é de vital importância, mas ambas as funções, diz a intérprete, exigem as mesmas qualidades psicológicas e éticas: prudência, moderação, modéstia, amor ao trabalho, desejo de adquirir novos conhecimentos e transmiti-los aos outros, capacidade de delegar funções e de exercer sua autoridade.

 

Já no início da obra, através de sua irresistível dialética, Sócrates e Critobulo – um rico proprietário – chegam ao consenso de que, realmente, a economia é um saber. Assim como o é a medicina, a metalurgia e a carpintaria, por exemplo, e que, do mesmo modo que podemos dizer qual é a tarefa de cada uma dessas artes, também podemos dizer que a do bom administrador é administrar bem o seu patrimônio familiar.

 

Também estão de acordo que, mesmo que não possua riqueza, o detentor desse saber, pode tornar-se um homem de negócios muito hábil, apto a cuidar do patrimônio de outro e também enriquecer, mediante salário: “Quem consegue economizar a partir do pouco que tem, a partir de muito, espero, conseguirá facilmente um superávit.”.

 

Inicialmente, acompanharemos o raciocínio dialético socrático ao conceituar o que é “riqueza” e, por quais razões, enquanto uns as possui, outros padecem à míngua.

 

Empenhando-se em definir “patrimônio”, Sócrates nos esclarece que nem tudo o que se possui é patrimônio, pois uma pessoa pode ter inimigos, mas seria ridículo alguém fazer crescer o número de inimigos e ainda receber por isso, de modo que, riqueza é um bem. Mas, é um “bem” somente se pudermos tirar proveito (logo adiante, veremos que até mesmo um inimigo, desde que tenha utilidade, pode ser proveitoso).

 

Se alguém compra um cavalo (hoje talvez disséssemos um automóvel), mas não tira proveito dele, porque não sabe usá-lo ou tem prejuízo com ele, não dispõe de um bem.

 

Conclui então que o que traz proveito é ‘riqueza’, o que prejudica é ‘não-riqueza’. E as mesmíssimas coisas são ‘riquezas’ para quem sabe usá-las e ‘não-riqueza’ para quem não sabe.

 

Um instrumento musical é uma riqueza para quem saber tocá-lo, mas é inútil a quem não sabe. Para os que os vendem, é riqueza; para àqueles que os detém sem saber usá-los, são inúteis.

 

Riqueza, então, é aquilo de que alguém pode tirar proveito. Nem mesmo o dinheiro é riqueza para quem não sabe usá-lo. Embora saibamos que há quem se aproveite perversamente do simples fato de tê-lo, piorando sua alma.

 

Indagando sobre os amigos, Sócrates pergunta se alguém sabendo usá-los, de forma que tire proveito deles, se são riqueza e Critobulo afirma que são, e muito mais que os bois, se forem mais proveitosos que os bois.

 

Então, “se soubermos tirar proveito de nossos inimigos, temos ai também riqueza?” – pergunta Sócrates –, e Critobulo responde que “é próprio do bom administrador do patrimônio saber usar até os inimigos de tal forma que tire proveito dos inimigos.”.

 

O abastado indaga a Sócrates o que ele pensa das pessoas que, mesmo sabendo e tendo meios para trabalhar e fazer crescer seu patrimônio, não o faz. Afinal, de que adianta esse saber se em nada lhe é proveitoso?

 

Sócrates esclarece que são assim – e até se gabam de serem felizes – porque tem ‘senhores’ que os governam e que esses ‘senhores’ dos quais são escravos, não os impedem de fazer aquilo donde tiram coisas boas.

 

Critobulo fica curioso... Ora, que ‘senhores’ invisíveis são esses?

 

São bem visíveis, diz o Filósofo: “Que são muito maus nem tu podes deixar de ver, se julgas que a ociosidade, a fraqueza de alma e a negligência são maldade.”.

 

E nos alerta que “há mais ‘senhoras enganadoras’ que se fazem de prazeres, a jogatina e a má companhia que, com o correr do tempo, aos que foram enganados, revelam-se como sofrimentos disfarçados em prazeres e, dominando-os, os afastam das ações proveitosas.”

 

Critobulo lembra que diferente dos ociosos, dos fracos de alma e dos negligentes, há também aqueles que são muito apegados ao trabalho e à busca de ganho para si mesmos, mas mesmo assim seu patrimônio acaba e ficam emperrados pela ausência de recursos.

 

Sócrates afirma que esses também são escravos, e de ‘senhoras’ muito mais duras!

 

Uns, da gulodice, outros da libertinagem, da embriaguez, de ambições tolas e dispendiosas (Oh, vanitas!) que tão encantatória e cegamente arrebatam os homens, governando duramente sobre os quais tem domínio “enquanto os veem jovens e aptos a trabalhar, a trazer-lhes o produto do trabalho e a pagar por suas próprias paixões (...)”.

 

E isso se repete incessantemente, pois, quando geres (a maldita velhice) se aproxima e somos incapazes de trabalhar, nos deixam perecer na miséria, encontram outros mais aptos a se deixar escravizar: “Tais senhoras, porém, desfiguram os homens em seus corpos e almas, enquanto os tem sob seu poder.”.

 

É em defesa de nossa liberdade que é preciso lutar, diz Sócrates. Persistir em nos ocuparmos proveitosamente, em nossos anos de vitalidade, acalentar uma alma forte e sermos diligentes nos liberta da escravidão pecuniária. Moderação nos prazeres (da gula, do sexo, dos jogos e das drogas) e autodomínio sobre a vaidade também evita que nos tornemos escravos de governantes “invisíveis”. E, em Economia – que o diga Adam Smith – é fundamental atentar ao “Invisível”.

 

Luciene Felix

Professora de Filosofia e Mitologia Grecoromana da

Escola Superior de Direito Constitucional – ESDC

www.esdc.com.brBlog: www.lucienefelix.blogspot.com   

 

 

 

 

 

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