O Fed em um mundo flutuante
No primeiro artigo de uma série de duas partes, vemos um lembrete do que está gravemente equivocado nas políticas do Fed e dos bancos centrais
Por Reuven Brenner
29.09. 2022
Ásia Times
As quedas de 35% do iene e de 25% do euro, em relação ao dólar, e o índice do dólar americano em alta de 25% desde 2017, esses comportamentos estão sendo interpretados como resposta ao aumento das taxas de juros pelo FED Federal Reserve dos EUA para combater a inflação. Os analistas nos lembram que essa política é semelhante à que Paul Volcker seguiu na década de 1980 para acabar com a inflação.
Nem tanto.
A opinião de Volcker não é o único lembrete do que está gravemente equivocado, nos dias atuais, nas políticas do Fed e de todos os bancos centrais, bem como nas análises acima, mas também mostra qual seria a solução duradoura e estável ... que não sendo discutida agora.
Em seu trabalho de 1992, Changing Fortunes, Paul Volcker confessou que entre 1980 e 1982, as taxas de juros mais altas “atraíram cada vez mais fundos estrangeiros para ajudar a financiar nossos déficits e investimentos”.
“As repercussões adversas dessa combinação de políticas nos mercados internacionais tornaram-se óbvias – exceto para membros do governo que interpretaram isso como um voto de confiança na política dos EUA. [Mas] as altas taxas de juros e a forte valorização do dólar tornaram mais difícil lidar com a crise da dívida [e] a posição competitiva de nossa indústria; e os mercados começaram a ser seriamente prejudicados.”
Isso é semelhante ao cenário que se desenrola neste momento diante de nossos olhos, como mostram as taxas de câmbio descontroladamente giratórias mencionadas acima. As moedas de países endividados em dólar, como Índia e Chile, desvalorizaram-se neste ano, e Sri Lanka deixou de pagar seus títulos no exterior em maio último. Seus bancos centrais vêm sem sucesso gastando reservas e aumentando as taxas para mitigar a queda de suas moedas e evitar calotes.
Em agosto, suas reservas encolheram em US$ 379 bilhões este ano, e Paquistão e Gana estão negociando com o FMI Fundo Monetário Internacional depois de perder cerca de 30% de suas reservas.
Enquanto isso, o Banco Central Europeu, bem como os bancos centrais da Noruega, Suécia, Suíça e Reino Unido, bem como Indonésia, Filipinas, Taiwan e Turquia, estão em trajetória de aperto monetário e fiscal.
O fato de que cerca de 40% dos US$ 28,5 trilhões em comércio global anual são cotados em dólares americanos e o Bank for International Settlements estimar em US$ 13 trilhões as dívidas em dólares de mutuários fora dos EUA, em 2021, tudo isso sugere que uma crise da dívida se aproxima, tal como ocorreu durante a década de 1980.
Volcker acrescentou que, embora tenha antecipado a crise da dívida mexicana antes que ela se materializasse em 1982, ele não achava que a redução das taxas em 1 a 2 pontos percentuais, em 1981, a teria evitado. No entanto, em julho de 1982, ele mudou de ideia e afrouxou a política monetária.
O enfraquecimento da indústria americana por causa do dólar americano contribuiu fortemente para a mudança na política, embora Volcker achasse “estranho e paradoxal” que o dólar continuasse subindo até 1985. No entanto, ele antecipou que uma “queda doentia do dólar fosse acontecer” – o que de fato ocorreu entre 1985 e 1987, com o índice do dólar caindo 50%.
Ele observou também que, para ter sucesso, as ferramentas monetárias dos bancos centrais não foram suficientes para reduzir a inflação rapidamente: para absorver a liquidez que levou à alta inflação, no final dos anos 1970 e no início dos anos 1980, a redução do déficit orçamentário deveria ter complementado as políticas do Fed.
Volcker acrescentou que isso “teria aliviado as pressões sobre nosso próprio dinheiro e mercados de capitais e nossa dependência do capital estrangeiro; esforço efetivo para restaurar o equilíbrio orçamentário poderia [ter] reforçado o que estávamos tentando fazer.”
Levou tempo tanto para a flexibilização da política monetária em 1982, quanto também para as mudanças nas políticas fiscais e regulatórias, destinadas a estabilizar a economia dos EUA e a reduzir a taxa de inflação a 5%, em 1984, e a 4%, em 1987, ano da saída de Volcker.
Quanto ao dólar: Em 1985, o índice do dólar americano estava em 160, acima dos 80 em 1980. Isso o levou a observar que “aumentos de 50% e declínios de 25% no valor do dólar ou de qualquer moeda importante em um período de tempo relativamente curto … são um sintoma de um sistema em desordem.” A confusão levou aos acordos Plaza e Louvre (1985, 1987) – após os quais o índice do dólar caiu de 160 para 80, seu nível em 1980.
As indústrias norte-americanas recuperaram sua força durante essas convulsões, ajudadas tanto pelas políticas fiscais e regulatórias do então presidente Ronald Reagan quanto pelo grande aumento nos instrumentos de hedge desenvolvidos no mercado financeiro – agora com centenas de trilhões em valor nacional. Este último permitiu que as empresas americanas permanecessem em suas linhas de negócios e mitigassem o impacto das taxas de câmbio voláteis.
No entanto, o hedge cambial não é apenas caro e, em alguns países, proibitivo, impedindo que as empresas tenham acesso ao crédito e cresçam, mas traz tmbém uma má alocação de talentos em um mundo flutuante. Cérebros e capital são alocados para um setor financeiro em expansão, e menos para a Main Street (os setores relevantes da economia).
[ Este é o primeiro artigo de uma série de duas partes.]