Breve panorama da indústria e do mercado de petróleo
O panorama da indústria e do mercado de petróleo seguiu crescentemente aflitivo desde o início deste século XXI, razão pela qual a avaliação de sua configuração não poderá ser compreendida se deixar de ser percebida a complexidade dessa trajetória, até o presente momento. Em rápidas linhas, serão aqui levantados alguns aspectos.
De inicio é relevante que se observe que o mercado mundial de petróleo tem se mantido pujante a despeito de tudo que já se escreveu, desde os anos 70, sobre sua ‘iminente finitude do petróleo’, contraposto como determinante da crise ambiental que aflige a humanidade.
Não fosse assim, o governo dos EUA não teria empreendido, em março de 2003, a invasão militar do Iraque, a terceira maior reserva de petróleo do planeta, para obter a reversão da nacionalização da indústria extrativa iraquiana -- promovida anos antes por Sadam Hussein -- e entregá-la ao controle de empresas estadunidenses e britânicas.
E, ainda mais importante, essa invasão reverteu a política de exclusão do dólar americano nas negociações de petróleo iraquiano, instituída por Sadam pouco antes dessa assombrosa guerra que destruiu o Iraque, matou cerca de um milhão de seus cidadãos, entre civis e militares, e resultou no surgimento do grupo Estado Islâmico.
E, nesse aspecto, um ponto extremamente importante mas nunca lembrado: o mercado mundial de petróleo tem se mantido há décadas como elemento chave da política cambial dos EUA. O giro mundial dos petrodólares tem viabilizado a manutenção do dólar dos EUA como a grande moeda conversível internacionalmente aceita.
Não se pode afirmar que essa modalidade de conflito, ocorrida há 20 anos tão agudamente, deixou de permear as políticas energética, cambial e bélica dos EUA.
A invasão norte-americana do Afeganistão teve como leitmotiv a busca da construção de um gasoduto para a Europa, ainda que sem sucesso, para ferir os interesses russos como fornecedor preferencial europeu.
Do mesmo modo, a invasão e destruição de Gaza por Israel, em curso desde outubro de 2023, com o apoio de dois grandes porta-aviões norte-americanos nas imediações, tem como objetivo oculto permitir, em primeiro lugar, a apropriação indébita, por Israel, das reservas de gás natural e petróleo localizadas no pré-sal do mar Mediterrâneo, em frente a Gaza, de propriedade do Povo Palestino. O contrato de concessão por 25 anos de exploração desse gás foi assinado em 1999 pela Autoridade Palestina, quando ainda mandatária da Faixa de Gaza, com o grupo inglês BG British Gas, associado com CCC Consolidated Contractors Company, uma empresa sediada em Atenas, pertencente às duas famílias libanesas Sabbagh e Koury.
O segundo objetivo oculto da invasão de Gaza por Israel, também para atender interesse norte-americano, é impedir que o Hamas, atual mandatário de Gaza, contrate uma nova concessão exploratória desse gás natural, ainda no ano de 2024, desta vez com a GazProm, empresa estatal russa produtora e exportadora de gás natural, cujas negociações encontravam-se em andamento, antes do início da destruição de Gaza pelas tropas de Benjamin Netanyahu.
A quadruplicação dos preços do gás natural consumido nos países europeus é outro elemento a trazer intranqüilidade nesse mercado. A destruição dos gasodutos NordStream I e II foi elemento determinante na estratégia de colocar a Europa de joelhos frente a oferta de gás norte-americano, bem como de transformar os EUA no maior exportador de gás do planeta, sob o custo de gigantesca perda de competitividade da indústria alemã e europeia. Ao seguir-se o rastro do dinheiro chega-se ao maior responsável pela destruição de NordStream I e II.
Elemento ainda mais agravador e bastante recente é o fechamento do Mar Vermelho e conseqüente impedimento de acesso ao Canal de Suez aos navios de bandeira israelense, promovido pelo movimento xiita dos Houtis, do Yemen, em solidariedade ao Povo Palestino. Um povo que anda de sandálias pelo deserto da península arábica, enfrenta as forças armadas de um país que possui cerca de 60 ogivas nucleares, Israel; país que conta com o apoio dos EUA. O efeito já é fantástico: o encarecimento do transporte e do seguro marítimos nesta região, além de deixar os portos israelenses às moscas.
Desnecessário mencionar que esse panorama internacional, extremamente preocupante, que pode levar a um conflito bélico de proporções devastadoras para além do âmbito geográfico do Oriente Médio, deixa em cheque o suprimento de derivados de petróleo aos países ocidentais, cujos preços poderão decolar pari passu o escalonamento do conflito.
O caso brasileiro é menos grave no que diz respeito ao suprimento de derivados. Ainda que possa ser dito que o País possui estoques de derivados de petróleo para cerca de apenas uma semana de suprimento, pelas empresas distribuidoras, o Brasil tem grandes reservas de petróleo in natura, que poderão garantir a oferta de combustíveis no caso de um conflito bélico não levar a um bloqueio das plataformas marítimas de exploração do no Pré-sal brasileiro ... algo muito preocupante que poderá exigir muita habilidade da diplomacia brasileira, em razão da fragilidade do poder dissuasório do País, em razão da grande obsolescência das fragatas e navios de apoio da Marinha do Brasil, responsáveis pela defesa do extenso mar brasileiro; bem como da Força Aérea do País, que possui apenas seis caças updated e cerca de outros 40 datados dos anos 80, ainda que modernizados.
Em caso de crise aguda, o Brasil não é auto-suficiente em diesel e o gap de oferta poderá ser apenas parcialmente suprido pelo adicionamento de biodiesel àquele derivado de petróleo. Na crise da Covid-19 as importações de diesel provenientes da Rússia foram a ‘tábua de salvação’, mas em um novo panorama de conflito o acesso ao diesel russo poderia contar com impedimentos de política internacional ou impedimentos bélicos, conforme o posicionamento da diplomacia brasileira; alem de impedimentos derivados da grande demanda de diesel por carros de combate e MBT Main Battle Tanks. O mesmo podendo ser dito a respeito do querosene de aviação, que poderia enfrentar limitações de oferta por importações, por conta desse mesmo fator.
Quanto à oferta de gasolina ao mercado, o adicionamento de uma parcela maior de etanol anidro, superior àquela hoje permitida em lei, de 25%, já prevista para este ano de 2024, poderia ser uma política de enfrentamento com chances de pleno sucesso. Em paralelo, o incentivo ao uso do motor a álcool pelos consumidores proprietários de carros flex, também surge como medida harmônica com a cultura do País; e tendente à auto-suficiência.
Nesse panorama delicado e aflitivo, possivelmente bélico em maior ou menor extensão, a explosão dos preços dos derivados de petróleo tem sido o curso natural das coisas, o que já está a evidenciar, aos bons entendedores, a inadequação da política econômica liberal na definição de preços dos derivados de petróleo, bem como na continuidade das privatizações de refinarias de petróleo brasileiras.
A esse respeito, a Teoria Econômica é farta na configuração de políticas adequadas a uma economia de guerra, de ordem tributária, cambial e de juros. Ainda que não tenhamos no Brasil alcançado esse ponto, o quadro internacional é extremamente delicado, inspira cuidados e não se pode dizer que o Brasil de algum modo não seria afligido. Ele já o está sendo.
E a celeridade do avanço de conflitos em novos pontos de tensão pelo planeta afora, além do predomínio de lideranças políticas internacionais absolutamente medíocres, incapazes e desinteressadas em conduzir negociações diplomáticas e, o pior, em domínio de tecnologias fantasticamente destrutivas, exigem das autoridades brasileiras e dos órgãos públicos ações que viabilizem a atividade econômica e o bem-estar das famílias, em especial nas áreas a seguir:
(1) de Energia, envolvendo os segmentos renováveis de éolica e solar, mas também hidrica, petróleo e gás natural, notadamente este último, reconhecido como a fonte baluarte da transição energética;
(2) de Defesa, com foco especial na solução nacional do caso Avibras, por envolver a soberania nacional, bem como no fortalecimento da Embraer Defesa, seja na produção de local de caças de ataque e de bombardeiros, de fragatas e de navios de apoio, em maior número, de MBT e carros de combate nacionais, bem como de mísseis de médio e longo alcance para a FAB, para a Marinha e para o Exército;
(3) de Alimentos para a mesa de toda população brasileira; e, nesse caso, imprescindíveis são o apoio a produção familiar em pequenas propriedades rurais, bem como a mobilização de meios para obtenção da autosuficiência brasileira na produção de fertilizantes;
(4) de suprimento de água e de saneamento básico, em busca de sua universalização, para a democratização do bem-estar da população e prosseguimento da vida nacional, que é o que realmente interessa em uma sociedade que se pauta pela Democracia.
O bem-estar da população e a manutenção da atividade econômica, em última instância, é a isso que se presta a busca de fontes energéticas como o petróleo e o gás natural.