A Paz no meio da Rua
por Antonio Callado,
para a FBB
Eu tenho da paz uma imagem absolutamente concreta. Isso mesmo: vi, com meus próprios olhos, a paz entrando na terra.
Eu estava em Paris no dia 8 de maio de 1945. Os alemães acabavam de depor as armas em toda a Europa. A Radiodiffusion Française, onde trabalhei uns poucos meses nas transmissões para o Brasil, tinha seus escritórios na própria Avenida dos Campos Eliseos, que vai do arco do triunfo do Carrousel ao Arco do Triunfo propriamente dito, postado entre suas doze avenidas, no alto da Étoile. Estavam iluminados os arcos triunfais. Mas não para o desfile de exércitos.
Em setembro de 1944, quando De Gaulle voltou a Paris e a guerra prosseguia houve desfile militar, emoção guerreira. Nos telhados ainda havia franco-atiradores: alemães escondidos, fanáticos do regime de Vichy. Soaram os disparos até durante o te-deum na Catedral de Notre Dame.
Na festa do final da guerra, não. Quando se manifestava, o silêncio da massa de povo que atulhava as ruas era mais forte que os cânticos. Do que a Internacional. Do que a própria Marselhesa. O que se via era uma espécie de Natal em maio, uma festa meio absurda, fora do calendário. Podia ser até -- era o que a gente pensava -- que ela não tinha vindo para ficar. Mas naquele momento, naquela noite, a paz estava ali, no meio da rua.